No entanto, ao transformarmos essa história em um clichê de "fazer o bem", corremos o risco de perder o choque e o escândalo original que Jesus provocou ao contá-la. A parábola de O Bom Samaritano, registrada em Lucas 10, não é apenas uma lição moral sobre ser legal; é um manifesto radical sobre o que significa amar em um mundo dividido.

A Pergunta Certa (e a Errada)

O contexto da história é crucial. Um perito na lei se levanta para testar Jesus, perguntando o que fazer para herdar a vida eterna. Após concordarem que a resposta é "Amar a Deus e ao próximo", o perito, querendo se justificar, faz a pergunta que dispara a parábola: "E quem é o meu próximo?".

A intenção dele era limitar o seu dever. Ele queria que Jesus desenhasse um círculo: "Essas pessoas aqui são seu próximo (ame-as); aquelas lá fora não são (você pode ignorá-las)". Ele queria uma definição teológica para justificar sua falta de amor por certos grupos.

Em resposta, Jesus conta a história de O Bom Samaritano.

A Religião que Não Salva

A parábola começa com um homem descendo de Jerusalém para Jericó, uma estrada perigosa e íngreme. Ele é assaltado, espancado e deixado semimorto.

Dois homens religiosos passam pelo caminho: um Sacerdote e um Levita. Ambos representavam a elite espiritual de Israel. Eles conheciam a Lei, serviam no Templo e, provavelmente, tinham acabado de realizar seus deveres religiosos. No entanto, ao verem o homem ferido, ambos "passaram de largo".

Jesus não diz que eles eram maus; talvez tivessem medo de se contaminar ritualmente com sangue ou medo de que os ladrões ainda estivessem por perto. A lição aqui é dura: a religiosidade sem compaixão é inútil. O conhecimento teológico ou a posição na igreja não garantem um coração amoroso.

O Herói Improvável: O Bom Samaritano

Então, surge o terceiro personagem. Para a audiência judaica de Jesus, a expectativa era que o herói fosse um judeu comum. Mas Jesus introduz um samaritano.

Para entendermos o peso disso, precisamos lembrar que judeus e samaritanos se odiavam. Havia séculos de animosidade racial e religiosa. Eles eram inimigos declarados. Ao fazer de um samaritano o herói, Jesus estava destruindo os preconceitos de seus ouvintes.

O texto diz que O Bom Samaritano, ao ver o homem, "encheu-se de compaixão". E aqui está a diferença: ele não apenas sentiu pena; ele agiu.

1. Aproximou-se: Ele cruzou a barreira da segurança e do preconceito.

2. Tratou as feridas: Ele usou seus próprios recursos (azeite e vinho).

3. Cuidou do futuro: Ele o colocou em seu animal, levou-o a uma hospedaria e pagou adiantado por sua estadia, prometendo cobrir qualquer custo extra.

O amor de O Bom Samaritano foi prático, sacrificial e custoso. Ele não perguntou a nacionalidade do homem ferido nem se ele merecia ajuda. Ele viu uma necessidade e a atendeu.

"Vai e Faze o Mesmo"

Ao final da história, Jesus devolve a pergunta ao perito na lei, mas de forma invertida. Ele não pergunta "quem é o próximo?", mas sim: "Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?".

O perito, incapaz de sequer pronunciar a palavra "samaritano", responde: "Aquele que usou de misericórdia para com ele".

A lição de O Bom Samaritano é clara: não devemos perguntar "quem é meu próximo?" para limitar nosso amor. Devemos perguntar "para quem eu posso ser o próximo?". O nosso "próximo" é qualquer pessoa que Deus coloca em nosso caminho e que precisa de ajuda, independentemente de raça, religião ou status social.

Em um mundo polarizado, somos chamados a ser como O Bom Samaritano: dispostos a parar, a nos sujar e a gastar nossos recursos para curar as feridas de quem o mundo abandonou à beira do caminho.

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